segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Caio, ainda bem que você sempre soube

Quando li este conto do Caio, me senti invadida por um turbilhão de emoções.
Foi como se ele soubesse exatamente de tudo. Tudo.
Há sempre tantas coisas à serem ditas, mas no atual momento, estou silenciando.
Dei minha última investida naquele dia, em que tentei lhe falar sobre o que havia aqui dentro.
Depois disso, não existiu mais nenhum contato. Acho que é isso que nos resta.
Ainda existes de uma forma muito intensa em minha vida.
Fico aguardando quem sabe, pela sua futura volta.
O que começa a mudar é a minha resposta. Eu realmente não sei mais se quero continuar.
A certeza está dando espaço à duvida. E você, absorto como vive, nem deve estar percebendo.
Tudo bem, não necessito mais da sua irrestrita atenção.
Assim como mudam às estações, mudam às pessoas. E hoje eu sei que é sempre assim.





Com vocês, o que existe de melhor: Caio Fernando Abreu

Para uma avenca partindo ( CFA)

"Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer,
dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente em nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ............................................................................
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sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê."




Sempre sobram palavras quando o fim domina o que ainda restava.
E agora, não há mais nada a fazer. O que tinha que ser dito, foi dito.
O resto, precisa passar.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Carta 1

Eis-me aqui, cabeça baixa, dia lindo: sol.
Presa dentro de casa, cansada demais pra tudo.
Todas as palavras estão aqui, estão prontas, estão me matando.

- Senhor, como é possível enlouquecer tão facilmente? - me pergunto.
Sei de todas as respostas, mas resolvo esconder. Hoje dói menos. Amanhã? Nem sei.
Então, num acesso de coragem, me vejo com a caneta, o papel e as lágrimas.

Escrevo a derradeira. Aquela que eu vivo dizendo que será a última. O ponto final dentro de uma história que até agora só me mostrou vírgulas e parágrafos incompletos.
Se vais ler, não sei. Se vou mandar, pode ser. Se vai gostar, não quero saber.

Ultimamente, para qualquer indagação que sofro, respondo como alguém que não sabe mais se vive aqui, ou em algum lugar escuro, quem sabe seu sótão particular, um mundo que criou a fim de tentar se encontrar, se sentir alguém, mesmo sem nem saber o por quê.

O comum seria começar dizendo o quanto me fez bem.
Mas nada do que aconteceu aqui, um dia foi comum. Então começo dizendo o quanto eu mesma me fiz mal, a partir do momento em que te coloquei como o foco de um rumo já desalinhado.

Buscava em ti proteção, carinho e afeto. Mas esqueci que a fonte, deveria vir primeiramente de mim, para que você apenas pudesse completá-la. Nada de excessos, nem extremos.

Sempre quis tão pouco, e foi exatamente por isso que parecia exigente demais.

Se pudesse traduzir o seu significado em minha vida, usaria palavras como surpreendente, inovador, belo, perigoso... Mas para que tentar descobrir o quanto você significou em mim sabendo que uma simples conclusão só faria aumentar a dor?

É isso. Não quero entender porque chegou, porque me ganhou, porque marcou de uma forma como nunca alguém havia feito, e muito menos, porque a nossa história não teve continuidade.
Não quero números, não quero quantidade, não quero nem recordações.

Acho que hoje, tudo em mim está tão pequeno, está tão fechado, está tão cansado, que nem a sua volta mudaria o que ainda resta por aqui.

Sim, não sou egoísta. Sei que em você também doeu, porque algum dia percebi que signifiquei algo, mas as impossibilidades que rondam a minha vida, bateram à sua porta e deixaram marcas, que acabaram afastando cada vez mais, um indício de amor que talvez você alimentasse.

É, eu sei. Você é um ser humano. Pode amar, já deve ter amado, já deve ter sofrido, sei que sim.
Sei que acreditou nos meus sentimentos. Sei da felicidade que sentiu e também do medo, da dor e da raiva que alimentou quando tudo aconteceu.

E se hoje, olhasse em seus olhos, pediria desculpas, como fiz naquela fatídica tarde de domingo, dia de sol, onde tive a certeza de que eu queria você e nada mais.

Hoje penso em você, como alguém que me ensinou tanta coisa, através da dor e do amor.
Porque aprendi que na dor se sente mais, se afunda mais, a volta é mais dura, a vida não é mais tão colorida e você mesmo, aprende que cair sempre te faz levantar mais forte.

Não quero mentir pra você. Acho que era isso que mais gostava em nossa história. Eu poderia ser sincera e você aceitaria a mim mesma, como sou. Sem estereótipos, sem máscaras, sem essa exigência de criar uma nova personalidade. Desnudada, sem nenhum artifício, eu, somente eu, você, somente você.

Hoje aqui, sinto sua falta. Mas não quero mais nenhum laço.
Chega uma hora em que a gente percebe que o amor acaba, e a vida precisa seguir.
Do que adianta manter uma história, onde me vês como uma amiga, e eu lhe quero como algo que não consigo definir exatamente?

Racionalmente falando, amar era algo distante pra mim.
Paixõezinhas, dessas de amigo da escola, eu já tive. Acho que todo mundo teve. Quem sabe até você. É, isso é mais uma coisa que desconheço em sua vida. Quem sabe, se tivéssemos dado uma chance a nós mesmos, as coisas poderiam ser diferentes.

Era pra ser uma carta curta, era pra ser a última, era pra ser bonita, era pra ser tanta coisa, assim como a gente também era pra ser...
Mas eu errei de novo, quem sabe você também tenha errado.
E o silêncio hoje, será melhor do que tentar consertar tudo isso.

Te amei. Nunca te disse.Presumi que você soubesse. Mas hoje sei que às vezes até o óbvio precisa ser dito claramente. Me desculpe, estou aprendendo a conhecer isso que chamam de amor.

Se me amou? Não sei. Quem sabe. Talvez. Isso importa?

Sei que não será a última carta, nem a última lágrima, porque ainda sinto sua presença aqui.
Dói suportar o silêncio que está se transpondo entre nós.
Mas as palavras, estavam doendo mais ainda.

Sigo o rumo, como alguém normal, que comete seus erros, cai e depois levanta.
Se desaprovas minhas ações, eu não sei.
Se acredita em minhas palavras, espero que sim.

Desaprovo algumas de suas atitudes, mas não te cobro nada.
Atrás de toda atitude humana, existe muito mais do que um simples motivo.
E eu sei que você é muito mais do que demonstra ser.


Está dito. Haveria muito mais à dizer. Mas a dor começa a latejar mais intensamente.
Preciso me recolher. O meu sótão me espera.

Adeus.? Até logo? Até breve?
Se alguém souber qual é a maneira menos dolorida de partir, por favor, me diga.
Porque hoje dói. Meu Deus, como dói.


Vou sentir sua falta.
Mas você me ensinou que a vida sempre segue, e nem sempre podemos ter o que queremos.
Obrigado, era exatamente isso que faltava para que eu pudesse, finalmente, partir.





"Guarde o melhor de mim,
que no meu peito eu vou te guardar
Vai ser melhor assim
vai ser melhor pra mim
Um dia a gente vai se perdoar"
(LS Jack)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A vida está aqui

Depois de vários meses sem uma postagem considerada racional,
resolvi postar minha redação feita no vestibular da Unisinos, (2010/2).
A proposta estava engajada em dois temas distintos:
1 - "Você acredita que os reality shows podem trazer ensinamentos positivos
ao público que assiste a eles?" Fundamente sua tese em argumentos consistentes.
2 - "Qual a sua posição em relação às terapias alternativas?"
Fundamente sua tese em argumentos consistentes.
Optei pela primeira opção, porque confesso que não possuía nenhum tipo de argumento consistente em relação à terapias alternativas.
Acho que deveria me esforçar mais. É.
Peço perdão se a redação não puder se enquadrar em algo satisfatório,
mas foi o que consegui apresentar naquele momento, meio tenso,
mas significativo em grande escala dentro da minha vida.
Então, vamos ao começo...

Durante muito tempo, a televisão foi um aparelho eletrônico
destinado a minoria da população.
Antes dela, o diálogo ganhava mais espaço e mais cor
dentro da vida de cada um.
Com a chegada deste meio de comunicação, a festa estava programada
com base na grade de programações de um determinado canal.
Reunia-se a família e ao apertar de um botão,
nossos olhos se enchiam com a 'melhor imagem'.
Assim como a televisão foi fruto da evolução e do progresso,
sua programação também deveria evoluir gradativamente.
Haveria de ter algo que pudesse fazer com que às pessoas
se identificassem cada vez mais com este meio.
Foi então, que eles surgiram:
Reality shows, sejam bem-vindos à minha casa.
A realidade humana vigiada por inúmeras câmeras.
A vida alheia ao alcance de um clique.
Horas e horas observando a convivência diária
de pessoas totalmente desconhecidas.
Parece meio sem sentido. Mas acreditem, para muitos não é.
Assistir a uma nova realidade faz com que a grande maioria da população,
por pelo menos algum momento, esqueça da sua própria vida real.
Problemas, transtornos, fracassos e perdas saem do foco principal.
Deixamos de acreditar que somente nossa vida parece seguir sem razão de ser.
É uma fuga do cotidiano e do real impiedoso que às vezes nos é imposto.
Por momentos não nos sentimos tão deslocados
como nos encontramos no mundo lá fora.
Porém o detalhe principal, que muita vezes é ignorado,
é que realitys shows tem um início, um meio e um fim
programado antecipadamente.
As situações vividas dentro deste tipo de programa
podem sim ser comparadas com a vida real.
Mas elas tem data, hora e local para acabar.
Muito diferente do que vivemos aqui, no mundo atual.
Dessa maneira, deveríamos compactuar com a idéia
de que ficar horas e horas assistindo a vida alheia pode
nos fazer esquecer um pouco deste mundo louco,
mas não vai mudar a nossa realidade.
Nossa vida está onde nós estamos.
E sua chance de ser selecionado para algum reality show
é realmente muito pequena, comparada a chance
que você tem de viver em seu próprio mundo.
Então viva aqui.
Com certeza é isso que merece fazer parte
da sua grade de programação.






Se hoje tivesse a oportunidade de escrever a mesma
redação novamente, com certeza diversas mudanças seriam feitas.
Mas o momento era aquele. E eu, era aquele momento.
Então, foi o conjunto de tudo isso que me guiou até onde pude ir.