segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Vida

Acho que eu nunca parei pra pensar sobre a duração de uma vida.
Nunca pensei que talvez amanhã eu não esteja mais aqui.
Hoje quando a morte tentou ocupar espaço em minha vida eu
realmente entendi que nós não somos donos do nosso tempo.
Quando eu estava na 5ª série eu tinha um amigo chamado Willy.
Ah, o Willy era muito legal. Era companheiro de futebol.
Sempre disposto a me ensinar alguns truques que todo goleiro deve saber.
Era o Willy também que tinha um corretivo com uma bolinha dentro,
e toda vez que ele usava, todo mundo escutava
aquela bolinha fazendo barulho.
Era ele que não gostava de escrever no lado 'mais mole' do caderno,
por que a letra dele ficava feia.
E depois da 5ª série, o Willy foi pro seminário estudar.
A gente se separou, praticamente nunca mais mantivemos contato,
a não ser quando nos cruzávamos pela rua.
Era desse Willy alegre e carismático que eu me lembrava até hoje.
E agora tudo mudou.
Acho que eram 10:15 quando ouvimos aquele estouro.
Corremos.
No fundo sabíamos que mais uma vez, algo tinha tombado no pátio da casa da vó.
Mas dessa vez foi pior.
Não foi um caminhão de comida, ou um de areia, ou de tijolos ou mesmo de carne.
Foi um ônibus que transportava vidas.
33 vidas expostas ao perigo mais mortal: a morte.
Choque. Medo. Lágrimas. Angústia.
Tudo me inundou de uma vez só.
Não sabia como agir. Não sabia o que fazer.
Até que eu o vi.
Ele estava lá, quase imperceptível,
preso no meio dos arbustos, com uma enorme árvore em cima dele.
Ele me viu.
Ele pediu ajuda:
-'Me tira daqui!'
-Sim Willy eu vou te tirar. Vai dar tudo certo.
Eu desmontei naquela hora.
Como eu iria tirar aquela árvore de cima dele?
Como? Eu queria ajudar.
Eu precisava ajudar. E eu ia ajudar. Mas como?
Naquele momento eu me senti a pessoa mais impotente de todo o mundo.
Meu amigo que há muito eu não via,
estava ali na minha frente,
sangrando, com muita dor, preso por uma árvore.
E eu ali, com minhas mãos, sem ter nenhuma forma de ajudar!
Gritei. Pedi ajuda.
Havia muita gente por perto.
Vieram as ambulâncias. Médicos.
Uma esperança.
Finalmente a árvore havia sido retirada.
O Willy com muito cuidado, estava sendo colocado na maca.
A perna estava muito machucada. Mas ele estava vivo.
VIVO!
Olhei ao meu redor e o pátio já estava repleto de meninos.
Choravam. Sangravam. Se abraçavam.
Agradeciam a Deus pela vida.
Pediam fervorosamente proteção para o Willy.
Recebi abraços. Consolo.
Mas meu mundo estava em choque.
Parece que naquele instante eu entendi como somos
pequenos comparados ao mundo.
Como nos achamos superiores.
Pensamos que podemos controlar nossa vida.
Que podemos administrar nosso tempo.
Que podemos fazer planos para o futuro.
Mas que futuro? Que garantia temos dele?
A vida nada mais é do que uma passagem. Uma curta passagem.
Mas nós insistimos em pensar que é eterna. Que acaba quando a gente decidir.
Sempre estamos preparados para o fim
até que ele nos alcança e vemos que todas as nossas convicções
não passaram de ilusão.
Não há como estar preparado para o fim de uma vida.
Não em situações extremas como essa.
O Willy é jovem. Tem planos. Sonha com um futuro.
Assim como qualquer um de nós.
E graças a Deus ele vai ter esse futuro.
Ele está vivo e isso é o fundamental.
A vida decididamente é uma incógnita.
E nós perdemos tempo tentando decifrá-la, quando na verdade
o segredo da vida está em simplesmente viver.
Viver o que há. Viver o que temos.
Viver hoje para quem sabe viver o amanhã.
Mas acima de tudo VIVER.
Willy, Deus está contigo.
Tua família, teus amigos.
Todos de alguma forma querem te ajudar,
por que querem que você viva esse seu futuro.
Mas, ainda mais importante do que o futuro, é viver.
E VIDA você já tem.
Vai dar tudo certo.




"A nossa vida nunca chega ao fim. Isto é, nunca termina no fim.
É como se alguém estivesse lendo um romance e achasse
o enredo enfadonho e, interrompendo, com um bocejo, a leitura,
fechasse o livro e o guardasse na estante.

E deixasse o herói, os comparsas, as ações, os gestos,
tudo ali esperando, esperando...
Como naquele jogo a que chamamos brincar de estátua.
Como num filme que parou de súbito"
(Mario Quintana)

Um comentário:

  1. O fim é a única certeza que temos, e a única que nos intriga tanto.



    ' vida louca vida, vida breve...'

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