Acordar, tomar café, cuidar dos nenês, fazer almoço, lavar louça (é, vida doméstica), estudar, esperar o telefone tocar (porque ele precisa, muito, tocar), preparar-me pra escola e assim seguir, como o cotidiano exige.
Mas quando não se espera por mais nada, sempre existe algo a mais.
Na parte da manhã fui abençoada com a chegada de mais um ser especial.
Alguém que vai acrescentar mais sentido aos dias.
Betina se juntou aos meus nenês de uma forma tão encantadora que já conseguiu ganhar o meu coração. Tão carinhosa como é, com certeza irá aumentar ainda mais a dose de carinho que recebo pela manhã. Seja bem-vinda, minha nova menina. Seremos mais felizes juntas.
A tarde passou como um sopro, pois Betina ocupou a maior parte do meu
tempo. Me dei essa liberdade, de pelo menos por aquela tarde ignorar os
estudos para essa fase tão caótica de preparação ao Enem e ao vestibular.
Ser chamada de 'minha Mudi' pela Betina, foi extremamente bom.
De banho e café já tomados, segui rumo à escola.
O mesmo caminho percorrido por 11 anos. O mesmo visual e o mesmo rumo, mas que dependendo do dia, poderia sugerir novos atrativos, conforme eu estivesse disposta a imaginá-los.
Espanhol, inglês, sociologia e religião. Era esse o cronograma da noite.
Confesso que às terças sempre criam probabilidades muito grandes de uma possível falta ao colégio. Não que a matéria não me atraia.
Todo tipo de conhecimento é sempre positivo.
Mas existem fatores alheios que estão me puxando ao quarto escuro, e às terças
me trazem um dano escolar menor, caso eu decida me deixar levar ao fundo do poço.
Os três primeiros períodos foram entediantes, confesso.
Me gusta el español, pero yo no me sentía bien.
English? No.
Sociologia merece um crédito. A aula foi produtiva. O problema era eu.
Estava longe, longe, longe e nem sei aonde.
Então 21:00, recreio. Ainda bem. Sentia uma fome incontrolável.
Exagerei, passei dos limites. Quando na verdade até eu sabia que não era só aquela fome calórica que me consumia. Era uma fome além do explicável.
Então chegou meu último período de religião. Muitos foram os que já me questionaram se eu me incomodava com o fato de ser Luterana, enquanto os demais e até o próprio professor, eram Católicos. Bobagem. O que para mim é importante chama-se Deus, e o nome da igreja que o representa em questão, é só um detalhe. Sei que muitos não cultivam este hábito e eu assim
os respeito. Mas para mim Deus é importante e seguirá sempre em minha vida.
Nosso professor, há uma semana atrás, nos trouxe a seguinte proposta: em cada aula, um determinado grupo seria responsável por elaborar uma atividade e realizá-la com a turma.
O que era pra ser só mais uma aula normal, mudou a minha percepção sobre esse tipo de experiência. A mensagem distribuída por meus colegas, que organizaram a aula, dizia:
"Três Dias Para Ver - Helen Keller, com a seguinte pergunta:
- O que você olharia se tivesse apenas três dias de visão?"
- Uau, pensei! Deve ser mais uma daquelas mensagens que a gente recebe
em excesso pelo e-mail. Como sempre, essa primeira impressão que tiramos das coisas, fez com que eu me enganasse completamente. A mensagem era fantástica. Pelo menos para mim foi.
É muito relativo tentar expressar o que ela significou, porque isto vai depender diretamente da maneira com que ela vai atingir o seu leitor. Em mim acertou o alvo. Em cheio. Xeque-mate. Gol!. Cesta! Ou como você quiser chamar quando algo alcança o objetivo.
Helen Keller é cega e surda desde bebê. Nunca viu o sol nem o mar.
Nunca viu o azul. Nem o amarelo. Nunca viu uma lágrima,
um sorriso ou um olhar. Imagine você, que ve 24 horas por dia, e exerce este hábito automaticamente, não ter nem uma ideia concreta de como são estas coisas tão simples e cotidianas da vida. Helen escreve:
"Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som."
Foi exatamente isso que me fez tremer. Fiquei visualizando à mim mesma, impedida de ver a cor e o branco da vida, já que o que me restaria seria o olhar negro em que se afunda aquele que possui esta deficiência. É difícil imaginar, não acham? Ainda mais nós, que desde que nos conhecemos por gente estamos usufruindo deste bem maior, que é a visão.
Como todos sabemos, quando um indivíduo sofre com algum tipo de deficiência,
aprende a desenvolver outros sentidos.
Helen, impedida de ver, escolheu sentir.
Ela não via o mar, sentia; Não via a luz do sol, sentia seu calor; Não pode ver as folhas voando com o vento, mas sentiu seu cabelo esvoaçar com a brisa. Ela foi privada de coisas tão comuns, mas decidiu que sentir seria o meio mais próximo para chegar até a realidade.
Quem sabe Helen tenha até absorvido, muito mais do que nós,
a essência de tudo. Em nenhum momento ela construiu suas relações afetivas
baseada em aparências superficiais. Ela precisava conectar-se com o outro.
Sentir que o que havia era sincero e recíproco.
Helen Keller era verdadeira, como todos os que se disponibilizam a sentir são.
Se ela tivesse três dias de visão, usufruiria de diversas atividades consideradas
normais. Porque Helen sonhava com o que nós nem valorizamos mais.
Dessa forma, todo o conteúdo do texto, todas as palavras utilizadas por Helen,
e todo sentimento que ela demonstrou ao escrever, me trouxeram inúmeras indagações a respeito do que eu faria se tivesse apenas três dias de visão.
Cheguei em tantas respostas. Tantos sonhos.
Mas, por pelo menos algum momento, queria apenas sentir, sem precisar ver,
assim como Helen faz todos os seus dias.
Ama o que sente. E isso lhe basta.
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