quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Você

Você surgiu desde o primeiro instante em que cruzei a linha que separava o mundo lá fora do interior daquela sala. Num primeiro momento a troca de olhares foi casual, mas nem se sustentou por três segundos, afinal o clima de tensão se instalava no recinto. No segundo dia, quando não havia mais nenhum resquício seu em minha memória, cruzei a mesma linha e me deparei com seus lindos óculos quase transparentes e seu belo par de all star sentados exatamente no lugar que eu ocupei 24 horas atrás. Num gesto rápido, para que minha confusão interior não fosse descoberta, me identifiquei e segui reto, até o final do corredor, me sentando exatamente na mesma posição que você, apenas uma fila ao lado. Me perguntava se havias trocado de lugar por mero acaso, quem sabe precisavas de mais luz, menos ar frio que provinha daquele aparelho barulhento que a sala comportava, ou quem sabe tivesse trocado de lugar exatamente por. Não, não poderia ser. No terceiro dia adentrei o mesmo caminho e nossos olhos se cruzaram mais uma vez. Só que estavas distante, sentado no lado oposto ao meu. Com a cabeça fervilhando de ideias e motivos, sentei e deixei que meu olhar se perdesse. Não sei como, nem quando aconteceu, mas quando dei por mim, estava lá você, trocando de lugar, vindo em minha direção, estendendo o olhar, fazendo com que toda minha timidez  aflorasse sem nenhum pudor. E a partir daquele passo que você deu, pude compreender que não era mera coincidência. Havia algo subentendido em nossa troca de olhares. Naquele mesmo dia, nos retiramos daquele recinto ao mesmo tempo. Caminhavas dois passos à minha frente, mas não houve sequer uma palavra. O que dominava era o silêncio. Você era enigmático. Era nada. Era tudo. E hoje, quando a chuva prenunciava o fim daqueles dias, você estava sentado lá, ao meu lado, como esteve em todos os outros dias. E seguindo nosso roteiro, não houve contato. Descobri seu nome, sua idade, tudo por uma básica averiguação na lista que nos era passada. Não sei nem bem porque fiz isso, mas fiz. Será que fizestes também? Hoje saí do nosso recinto antes de você. Mas a vida quis que nos cruzássemos mais uma vez no final da manhã. O silêncio ainda predominou e acho que foi exatamente por isso que eu ainda o guardo aqui dentro. Pode ter sido algo insignificante. Mas existiu, e por existir já valeu muito a pena. Quem sabe um dia cruzaremos a mesma linha outra vez.

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