E o dia começou com o típico frio que a época exige.
Mas o sol estava lá, insistindo.
Era como se estivesse prevendo os dias difíceis que surgiriam.
Ela o contemplava e sentia uma inveja dessa insistência.
Afinal, apesar de todos os pesares, estava ele lá,
brilhando e sustentando os últimos indícios de luz e calor.
Quem dera ela também fosse aplicada
na lição da vida como é na lição escolar.
Quem dera as fórmulas da matemática
fossem os problemas mais devastadores da sua existência.
Pena que a esperança de dias melhores estava realmente sendo esquecida.
Hoje, ela acordou com um sensação tão boa.
As conversas do final de semana tinham trazido tanta alegria. Tanta luz.
Os últimos meses haviam sido bipolares.
Doses mínimas de felicidade, intercaladas por
porções gigantescas de desesperança estavam acabando
com a sua fome de insistência.
Hoje ela teve sua primeira grande perda familiar.
Há dias atrás, Jenifer Vitória era um grande sonho.
Suas 61 primeiras roupinhas foram passadas pela prima
e aspirante à madrinha mais fascinada com a sua vinda.
Ela foi a primeira a receber a notícia de sua concepção.
Lembra, como se fosse hoje, quando o telefone tocou
e do outro lado estava sua tia, meio insegura, pedindo sigilo
e anunciando os planos para o futuro.
Ficou radiante, afinal a vinda de uma nova criança poderia trazer novos ares
ao clima familiar, sempre tão turbulento.
Tantos planos. Tantas expectativas.
Afinal, dessa vez a vida seria generosa,
deixando que o ciclo completo da gravidez se realizasse.
O primeiro vestido seria comprado por ela.
A cor? Azul.
Afinal estereótipos não seriam colocados nesse ser tão especial.
Tudo parecia bem, apesar de eventuais náuseas
e chutes básicos de uma gravidez saudável.
Mas sempre. Sempre.
Sempre e sempre o final resulta em lágrimas.
Hoje, prestes a completar seis meses,
a tão sonhada prima e sobrinha Jenifer se foi.
E ela não vai mais voltar. Nunca.
E ela nunca pensou que este nunca pudesse penetrar tão fundo.
O emprego sonhado havia partido há meses atrás.
As amizades que nunca haviam sido contestadas, estavam prestes a ruir.
A pessoa que foi e é especial, não poderia amá-la da mesma maneira.
Novas oportunidades financeiras não surgiam.
O vestibular estava batendo à porta.
O desejo de liberdade aumentava cada vez mais.
Mas na mesma proporção crescia a impotência de torná-lo realidade.
Por 50 dias, viveu a angústia de ter uma tia presa à uma cama de hospital.
Por anos está vivendo enclausurada dentro dos limites familiares.
Há muito tempo, não sabe mais o que é viver sem responsabilidades.
São exigências de todos os lados possíveis.
Se comporte bem. Tire as melhores notas. Vença nos esportes.
Emagreça para melhorar a saúde já debilitada. Cuide bem de seus nenês.
Não saia, fique em casa no silêncio e perca aquelas que eram importantes.
Esteja sempre sorrindo, afinal pessoas tristes são excluídas.
Ela está no seu limite físico e emocional.
Ela tem só 16 anos.
Precisa segurar a onda em casa, afinal seus pais estão alienados
e por inúmeras vezes esquecem que ela está ali, vivendo nem sabe como.
Precisa atender a todas as exigências, como se tudo fosse assim simples.
E agora, perde alguém que era sinônimo de dias melhores.
E dentro dessa perda, olha para os lados
e não vê às pessoas que esperava encontrar.
Onde estão aquelas que deveriam estar aqui?
Ela começa a se perguntar, desde quando tudo está se perdendo...
Esta perda não estava programada de maneira nenhuma.
Trouxe à tona tudo que, aos poucos, estava sendo guardado.
Hoje, ela só queria uma boa conversa.
Um olhar sincero.
E silêncio.
Ela só queria poder ter a certeza de que vai continuar.
Mas nem isso existe mais.
Hoje, a vida levou mais um de seus sonhos.
Ela só teme que um dia a vida à leve também.
E se fosse hoje, ela não teria nem forças para recusar esta partida.
Adeus Jeni.
Você foi o meu sonho mais bonito.
Eu tenho certeza que foi.
"As coisas que amamos
as pessoas que amamos,
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder de respirar a eternidade."
(Carlos Drummond de Andrade)
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